Elogio à grandiosidade do homem e seu legado de destruição.

Elogio à grandiosidade do homem e seu legado de destruição.

O homem de ontem foi o arauto de nosso declínio, em sua época ninguém o previu, porém seus próprios feitos o preveniram. Afinal, quem poderia admitir que, em dia tão banal e lugar tão comum, algo tão grave e sério poderia ocorrer? Um dia nos alertaram: deve-se tomar cuidado com tudo que acontece sob a influência e auspício de mercúrio.

Eram tão óbvios seus descuidos que foram as crianças que primeiramente os observaram, pois eram, em seu tempo, simples e pequenas desobediências, como são as da própria criança.

O poderoso homem não observa as pequenas coisas, só tem olhos para a imensidão que espelha sua própria ambição. Vislumbra o lugar de onde o próprio criador declarou seu recolhimento. Justamente ele que, pelo mérito de ter sido tão disponível, teria todo direito à autoria de destruição de sua própria obra e criação. Presenteou ao homem, e sua filha, tal esdrúxulo legado. O de serem misericordiosos. Há quem admire tal feito. Percebo aí a estranha grandiosidade deste varão, seu maior presente foi e continua sendo uma sentida forma de ausência. Esta é preenchida, era após era, pelo desprezo do grande por tudo o que é pequeno. Pelo desprezo do grande por tudo aquilo que o compõe.

O silêncio insiste em perguntar ao homem grande e lhe faz o pedido por uma canção: que te falta? São muitos os meus desejos. O que te satisfaz? Nada menos que tudo! A quem ofereces seus dons? Ao sucesso de minha empreitada. A que serve sua empreitada? Ao acréscimo de meu próprio poder.

O declínio é tão óbvio para os pequenos, para os que atentam ao solo e acompanham seu movimento. Basta ver! Vocês por acaso não viram? Aconteceu ontem aos olhos de todos!
O homem grande desceu a ladeira olhando para cima! Orgulhosamente está se aproximando do buraco que se encontra logo ali adiante. Este é a morada de tudo o que ele não está disposto a admitir e evita, visita-o tão somente em pesadelos e nas pálidas memórias do tempo em que adoeceu. Um dia ele quase morreu. Pelo buraco transitam hoje apenas as imundices, nele se deposita somente, por falta do ralo, a água da chuva. Por isso, não atenta para sua realidade e convite.

O grande homem simplesmente não verga. Ele é estrela, decresce na cadência de inúmeras desatenções, ele se torna decadente. Disfarça, a cada passo, seu desleixo, suas mãos denunciam o esforço de seu disfarce.

A todo homem se credita uma grande mulher, é verdade. São todos que o admiram, que se enganam com seu autoengano, numerosos se tornaram os seios usurpados para não abandonar os de sua própria mãe, ao qual o imediato preenchimento sua passividade reluta em afastar. Porém, fartos ele deixou a todos que nele confiaram e com ele se emaranharam.

O grande homem está também na atitude da poderosa mulher. Muitos em nosso entorno apostam e jogam a sorte do grande homem, acreditam em sua promessa e se convencem de seus encantos, em benesses milagrosas, em tudo que vem a ser sem esforço. Os bichos, porém, ainda farejam seu veneno e evitam seu encontro.

O grande homem de hoje encena nossa destruição. Sua música não pode ser ouvida, pois sua canção não foi nem mesmo sussurrada. Bastaria uma escuta para salvá-lo de sua tenebrosa repetição.
O tempo de uma vida, e inúmeras oportunidades teve para criá-la.
O silêncio pode ser terrível para quem deve à terra uma canção.

Estou absolutamente encantado em reconhecer como os movimentos espontâneos do corpo…

Estou absolutamente encantado em reconhecer como os movimentos espontâneos do corpo desperto repercutem um senso de integridade. Eles reverenciam nossa própria origem afetiva individual e mais profundamente a condição humana, nosso vínculo indissociável com a grande natureza. Estes movimentos declaram nossa inocência frente a presença em vida, que se disponibiliza através de tudo que nos tornamos. A sensibilidade espacializa convites de reunião de um com o outro em contornos cada vez mais inclusivos.

Quando a personalidade se silencia nas relações íntimas onde age na inibição e na interdição violenta e medrosa da vitalidade, e passa a cumprir seu papel de justa regulação da disponibilidade, nasce a beleza de um indivíduo propositor de paz, porque com simplicidade a porta.

Reconheci como um desafio em minha prática terapêutica que é necessário restituir o papel de centralidade do corpo na organização da vitalidade. Existe um estado de ser sensível anterior a todo e qualquer atributo de identidade. Devemos reconhecer e valorizar a vida em suas múltiplas qualidades, em seu lugar íntimo, antes de percorrer qualquer distância. Percebi que nos encontramos indevidamente encantados e emaranhados com nossa própria autoimagem, em suas referências projetivas de desejo. Chegamos até a confundi-la com o próprio corpo, a impondo sobre ele. Este pobrezinho se encontra, muitas vezes, esquecido e violentado por detrás de formas aparentemente belas.

Estimular o saber de si sem a perspectiva de um efetivo compromisso com a mudança é contribuir…

Estimular o saber de si sem a perspectiva de um efetivo compromisso com a mudança é contribuir para a banalização da vida humana. Esta acomete a ricos e a pobres igualmente, não poupa ninguém. É uma comodidade que nos anestesia e entorpece os sentidos. Captura e corrompe a tudo.

A vida se encontra em um estado constante de mudança, de vir a ser. Nosso psiquismo é a mina da preciosa humanidade, uma fonte transbordante. Este não se mobiliza só ou tão somente no que nos apraz, agrada ou gostamos.

O homem que não se compromete com seu exercício de consciência diário (pois diariamente vivemos e morremos) será inevitavelmente incomodado e pressionado por tudo aquilo que cresceu à sua volta e dentro de si sem sua participação consciente. Tudo apontará aos terríveis fracassos advindos não de sua ousadia criativa e da coragem (estes são louváveis e conduzem ao descanso), mas àqueles da passividade e do discurso do medo. Ocupações de si para consigo mesmo, em um mundo traduzido em imagens e fundamentado em uma injustificada autoimportância.

Os mais medrosos, quando confrontados, se refugiam ainda mais, postergando o inevitável vazio que se estabelecerá por sorte um dia.

O esquecimento de si é uma afronta à dádiva da vida e tem seu preço cobrado por ninguém mais do que ele… ele mesmo! Deus?

Não, o próprio corpo. O reconhecimento do valor da vida está ao alcance de todos. É um dom de todo homem, por meio dele nos distinguimos e realizamos, porém podemos não exercê-lo e nem reverenciá-lo em seu meio natural.

Esta tenebrosa individualidade gestada no ocidente, este deus tão particular, se problematiza e vive ora as fantasias, ora os tormentos de sua eterna infância.

Para muitos de nós o mundo se tornou tão banal quanto um cardápio. E a liberdade é assumida como um poder de trocar ou de substituir fundamentalmente uma mesma coisa, a identidade, disfarçando-a de outra…

Participa da noção de paraíso a poderosa memória de um estado de ser …

Participa da noção de paraíso a poderosa memória de um estado de ser onde era ausente, ou muito pequeno, o desafio que representa para nós o exercício relacional com a diferença. Chamamos esta fase de infância.

Muitos o buscam, ou o perpetuam por meio de artifícios. Ausências pela inconsequência, euforias e anestesias frente ao grande desafio que é viver no mundo e ser, da melhor forma possível, um entre outros.
Sartre bem disse: “o inferno são os outros”.

Os que buscam no paraíso alguma imagem de perfeição terminam por destituir a terra de sua diversidade original, aniquilam a todos e a si próprios na brincadeira de Deus que não parte de uma tela em branco.

Vejo na imagem do paraíso a grandiosidade do exercício de nossa inocência, dando significado a nossa concordância com o corpo e um sentido revolucionário em termos de consciência para a própria condição humana. Esta que nos dá suporte e se disponibiliza à nossa destinação, sendo assumida em nosso processo de diferenciação como o lugar legítimo para a nossa criação.

Encontro muitas pessoas se violentando, exercendo sobre si mesmas uma terrível forma de repressão.

Encontro muitas pessoas se violentando, exercendo sobre si mesmas uma terrível forma de repressão. Impondo sobre as próprias emoções e o corpo a ditadura de suas autoimagens. Movidas por carências profundas, projetam e mobilizam o mundo no pedido de alimento afetivo que se sacia realmente na relação amorosa consigo.

Perambulam pelas relações, na ilusão de que o poder de trocar, frente à dificuldade e à dor, uma coisa por outra, uma pessoa por outra, um trabalho por outro, uma religião por outra, significa ser livre.

Dedicam-se, muitas vezes, ao corpo enquanto mecanismo de sedução do outro e também o reduzem a mero objeto de desejo. Imersos em um cardápio tão vasto quanto este do mundo que nos encontramos, podem consumir muito tempo na experiência superficial do desejo que dá prazer, mas não gera satisfação.

Esta repressão da realidade íntima é parte de nosso esquecimento de si, onde normalizamos uma absurda violência, que com o tempo nos leva a estados insustentáveis.

Nossa cultura de consciência rejeita o valor da vulnerabilidade, a reconhece como fraqueza. Esta é um estado de transição natural da abertura, propício à mudança.

Em um mundo tão violento, o aberto se machuca bastante, tem poucas chances, e isto institui um ciclo vicioso que nos aliena.

Uma estética de impressões breves e imediatas, que rege a venda, impede o necessário investimento afetivo que consolida nosso senso de individualidade e casa, saudáveis e sãos.

Existe dentro de nós um lugar silencioso, capaz de acolher a tudo o que somos.

Existe dentro de nós um lugar silencioso, capaz de acolher a tudo o que somos.

A realização deste lugar silencioso é o trabalho de integração que reconhecemos como espírito. O caminho para o espírito começa através da recuperação daquilo que negamos em nós e por isso muitas vezes nos parece difícil ou desafiante.

Brincamos de Deus e não o reverenciamos quando não reconhecemos a profunda beleza de todos os aspectos de nossa humanidade. Tudo o que nos compõe colabora para a vida. A sabedoria está em permitir que os componentes de nossa humanidade, de seu fundamento instintivo animal, a nossa capacidade simbólica, se expressem a serviço da vida.

Toda pessoa que aceita sua natureza serve à humanidade. Assim renasce uma pessoa movida pelo espírito.

O caminho do pólen – Uma forma bela de se viver…

Somos, como todas as coisas, parte da natureza e também estamos ao seu serviço. Podemos elevá-la a uma dimensão simbólica, metafórica, própria do espírito humano, criando e vivendo eticamente. Ou denegri-la, empobrecendo-a de sua abundância. As forças da natureza despertam e se interessam pelo homem que vive belamente, querem participar de sua vida.

Somos responsáveis pela vida por um tempo, depois a devolvemos. Quem nos tornamos neste tempo?

O caminho do pólen é um chamado para o reconhecimento do espírito em todas as coisas, numa forma bela de se viver.

A contemplação surge a partir do amadurecimento do medo, num despertar da consciência conciliada com o tempo presente, com os afetos e com a própria alma.

Não se pode mover uma palha sem perturbar uma estrela.

Não se pode mover uma palha sem perturbar uma estrela.

Esta é uma antiga perspectiva da realidade. Tudo está em contato e disponível a uma relação de intimidade para uma consciência desperta.

Essa é a mente intuitiva, orgânica, presente no silêncio de nosso corpo. Você a percebe quando se desocupa da constante luta que estranhamente consome e regula a maior parte de nossas relações.

O eu profundo tem uma natureza amorosa. Essencialmente, o amor é uma força que reúne.

A consciência compõe, a todo instante, permissões e lugares legítimos para este desejo natural de contato e união. Exemplos: eu, mãe, pai, vida, mundo, espírito, universo, Deus…..

Quando duas pessoas se disponibilizam em suas fragilidades…

Quando duas pessoas se disponibilizam em suas fragilidades, surge a grande oportunidade do crescimento da intimidade e do amor na relação. As fragilidades são as sementes da confiança.

A confiança não pode em realidade preexistir, ela se desenvolve na reciprocidade da relação. A honestidade é o grande guia para o amadurecimento do medo nas relações.

Quando uma pessoa demonstra sua fragilidade numa relação e a outra se aproveita para empoderar uma forma de controle e domínio sobre ela, a intimidade se recolhe da relação. É comum a estratégia de construir estados arrogantes de força, julgamento e imposição para camuflar os próprios medos e fragilidades.

Para mim, a fragilidade tem a força de toda semente, pode germinar, crescer em árvore e frutificar. A arrogância tem o poder do machado que consome florestas, representa a incapacidade de cultivar, participar do crescimento. O frágil e o fraco se distinguem no investimento de vida que representa o amor com honestidade. Um cresce e o outro se disfarça.

Destruir ou denegrir é tão mais fácil que construir…

Nos encontramos intimamente engajados na organização de nosso entorno…

Nos encontramos intimamente engajados na organização de nosso entorno. Esta é uma repercussão natural do acontecimento da vida, que nos reúne por meio de uma grande rede psíquica. Esta organização pode se tornar uma realidade consciente, pelo esforço do aprimoramento da atenção e do cuidado na consideração a si e no respeito ao outro, ou permanecer como parte de uma relação inconsciente, que nos mobiliza naquilo que nos diz respeito em nossa passividade, e por conta disto, sem mérito.
Nossa individualidade tão valorizada e defendida sucumbe em termos de saúde e sanidade quando é incapaz de portar uma realidade de valores vividos. A inflação do eu leva ao delírio do desejo e das escolhas inconsequentes.

Na medida em que a passividade predomina, nos refugiamos em uma subjetividade de imagens e pensamentos que pouco nos renovam.

Assim, regredimos para a expressão de contornos emocionais mais imediatos, pouco ousados, mais vinculados a um senso de sobrevivência afetiva. Fundamentalmente, mais medrosos e infantis. Entramos sem perceber no ritmo acelerado da ambição eufórica que nos vampiriza. Esta cultura de consciência da liberdade enquanto capacidade de trocar, de sair e de descartar a qualquer momento.

Nos encontramos ocupados em nosso esquecimento com distrações que anestesiam a percepção do tempo que passa, instituindo um conforto afetivamente inerte.

E, enquanto tudo está bem, o corpo é matéria a ser modelada pela personalidade sedutora, o outro é um objeto de desejo que pode ser descartado sem grandes consequências, pois na estética jovem há uma eterna abundância. Afinal, somos hiperbóreos. A morte está distante, é uma forma de pessimismo para a pessoa saudável. Dificuldade é chatice, excelência é coisa de velho. A dor sempre pode ser remediada e a condição humana, por sua vez, é só uma ideia mirabolante demais para ser assimilada, reconhecida e tornada um exercício consciente.

O forte papel que a euforia, as distrações e seus parceiros químicos…

O forte papel que a euforia, as distrações e seus parceiros químicos cumprem no sentido de nos auxiliar a suportar a realidade emocional revela a grande fragilidade de nosso modelo de consciência.

A individualidade, tão celebrada pela sociedade contemporânea, declara um sentido de liberdade, porém muitas vezes, pouco nos importamos com o que isto realmente significa.